Leia o discurso do presidente Fabrício Motta na abertura do XXXII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo

Senhoras e senhores,

O Instituto Brasileiro de Direito Administrativo tem a elevada honra de dar início ao XXXII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, um dos maiores e mais conceituados eventos de direito público do nosso país. Temos a alegria de receber a todos na belíssima Florianópolis, capital de um estado marcado por belas paisagens, pujança econômica e diversidade cultural que bem simbolizam a riqueza e o potencial de nossa Nação. Durante três dias, promoveremos o encontro de juristas renomados, profissionais de destaque e estudiosos em geral, tendo como cenário principal a discussão dos fundamentos, das mutações e dos rumos do Direito e da Administração Pública.

O IBDA foi criado em 1975 com o propósito “de colaborar com o poder público na ingente tarefa de aperfeiçoamento das instituições administrativas e da ordem jurídica”, nas palavras de seu primeiro Presidente, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Aperfeiçoar as instituições e a ordem jurídica permanece sendo um desafio, sobretudo nos tempos estranhos e intensos que estamos vivendo. Temos tentado cumprir esse mister mediante a emissão de notas abertas, participação em audiências públicas no Judiciário e Legislativo e também em comissões variadas constituídas com o fito de aperfeiçoar a legislação.

Este Congresso Brasileiro, ponto culminante da atuação do IBDA em 2018, é realizado em homenagem à querida Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Vida e obra da Professora Maria Sylvia são testemunhas de dedicação à família, de valorização do interesse público e de plena crença nos deveres de efetividade e probidade por parte da Administração Pública. Sua fecunda atividade acadêmica e profissional é emoldurada por uma personalidade ao mesmo tempo firme e doce, afável, apta a despertar imensa simpatia entre todos que, por lerem suas obras, acabam tendo uma boa sensação de que realmente a conhecem. Querida professora, meus sinceros agradecimentos por tudo isso e pelo privilégio de sua amizade!

Neste início de mais um grande evento quero também lembrar a memória de Alice Gonzalez Borges, professora emérita e destacada integrante de nosso Instituto que deixa importante legado jurídico e também muita saudade!

Estado e Administração Pública só podem ser pensados juntamente com Cidadão e Sociedade. A junção desses quatro elementos nos tempos atuais conduz minha reflexão para outros quatro: proximidade, distância, respeito e empatia: nunca estivemos tão próximos, conectados e, ao mesmo tempo, tão distantes. O individualismo tem ganhado feições assustadoras em uma sociedade que se pretende plural: extremismos, louvor a determinadas personalidades e a intolerância às diferenças sociais, culturais e sobretudo políticas têm materializado um cenário de respeito somente aos próprios anseios de cada um, sem preocupação com as necessidades e opiniões dos demais.

É fato que existem notáveis diferenças individuais no modo e na intensidade com que o ser humano reage ante diversas situações; esta a razão de não ser justo considera-las como meros reflexos. Chamamos de emoção justamente esses estados mentais, sem consciência, que marcam as reações individuais.

Segundo Myra e Lopez, no clássico os quatro gigantes da alma, três são as EMOÇÕES primárias: medo, ira e amor. Tudo que o homem fez de bom e de mau sobre a terra se liga a essas emoções. Mas como os homens não vivem individualmente e sim se organizam em grupos, entra em jogo outra força, predominantemente repressiva das anteriores: dever. Não se trata de emoção, mas é capaz de perturbar o homem e fazer resistir ao embate de qualquer das emoções, até mesmo de todas elas juntas.

Emoção não se confunde com sentimento. Sentimento é um estado de consciência, desencadeado e colorido por estímulos externos ou memórias que nos levam a um cotejo da situação vivida com normas e ideias que previamente mantínhamos (Scliar). Emoção é mais primitiva, espontânea, tem expressão visível;  Sentimento é mais tardio, particular, pode durar a vida toda. A CULPA – tende para o Sentimento; não é fácil olhar uma pessoa e dizer que se sente culpada. O MEDO é emoção.

Essas divagações, talvez exageradas, se inserem na discussão sobre os limites do controle no Estado de Direito, tema central deste evento. Limites e controle envolvem negativa de liberdade, merecendo reflexões aprofundadas para que a liberdade humana, em seu sentido mais pleno, possa se realizar. Retomo às emoções e sentimentos: MEDO – DEVER – CULPA. Para o DIREITO, como regra, não importam emoção nem sentimento. MEDO continua sendo emoção, conectada às demais. Mas e o Dever? e a CULPA? Sabemos que DEVER e CULPA não continuam no campo das emoções e sentimentos – são necessariamente juridicizados, qualificados pelo ordenamento.

A atividade jurídica de controle possui viés e finalidade próprias, sem qualquer supremacia com relação às demais. Ao contrário, o controle deve necessariamente considerar – e dialogar com – as opiniões e interpretações do gestor público. As alterações recentes na LINDB trouxeram reforço no ônus argumentativo do exercício de ambas as funções para que se discuta a partir de um mesmo ponto de partida, inserido em um mesmo cenário. O MODELO constitucional de controle IMPÕE o diálogo, a busca pela consensualidade, justamente por entender que uma série de atores interferem no processo. Mais do que isso, o modelo de controle exige deferência para com a escolha administrativa, reconhecendo como valor constitucional as legítimas atuações da Administração, que devem ser consideradas com atenção e respeito, antes de proceder-se à sua rejeição. Não se trata de respeito  e empatia como dever moral, mas sim dever jurídico.

Ocorre que há uma busca incessante pela ocupação de espaços de controle, tornando desarmônico o sistema constitucional, em manifestação emotiva de certo ciúme institucional. A falta de credibilidade da Administração Pública, em sentido amplo, em razão de nossa crônica história de ineficiência e corrupção, acaba por estimular um controle autocentrado, por vezes pautado na defesa de relevantes fins por quaisquer meios. Há, ao contrário do que se prega, indeferência para com as legítimas atuações administrativas – alguns advogam que o ponto de vista do controle é – e será – sempre o correto, somente em razão de quem o manifesta. O cenário de degeneração institucionalizada não deve instigar à descrença e desvalorização das atividades políticas e administrativas, pois são necessárias à construção do bem comum e sua supressão implicaria retrocesso na luta pela plena efetividade dos princípios do Estado Democrático de Direito.

Controle, repito, é negativa de liberdade. Como tal, é rigidamente limitado pelo nosso ordenamento, pois implica no desempenho de deveres. Medo é emoção; o dever é juridicizado.  Em um Estado de Direito os cidadãos não podem sentir-se intimidados ou amedrontados ao exercer seus direitos, como o direito de protesto. Lamentamos, por exemplo, os fortes dissabores passados pelo Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, professor Ubaldo Cesar Baltazar, e seu Chefe de Gabinete, Professor Áureo Mafra de Moraes, ao serem intimados para responder ação manifestamente inepta – segundo palavras da própria Justiça Federal, que determinou a sua rejeição por falta de justa causa – pelo simples fato de permitirem o direito de manifestação dentro de uma universidade pública. Apresentamos nossa solidariedade, nosso desagravo. É exatamente disso que falamos quando acreditamos que todo controle, assim como todo o poder, necessita de propósito e limite.

O controle da Administração, entretanto, é atividade essencial para que as promessas trazidas pela Constituição sejam cobradas e cumpridas. Seria fácil – e leviano – entender que o controle da Administração é o grande culpado por nossa deficiente noção de interesse público, pela ineficiência irritante e corrupção endêmica. 

Não basta apontar o dedo para o controle. Nossa Administração Pública, de sua parte, continua patrimonialista. Existem privilégios para amigos e parentes, por intermédio de cargos, contratos e favores, como se não fôssemos uma República de iguais. Não temos tradição de cumprir o dever de planejamento de políticas públicas, examinando alternativas e consequências para ações, pensando nos reflexos orçamentários e financeiros, sem prejuízo da verificação de economicidade ao longo da execução dos programas. Tais condutas já são exigidas dos gestores públicos; cabe aos órgãos de controle cobrar a plena obediência às normas constitucionais e legais que impõem deveres relativos às diversas dimensões do planejamento da gestão pública.

Lembrei-me desse itinerário recorrente ao assistir as notícias sobre o incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. A perplexidade dos cidadãos ao verem o fogo corroer memórias de nossa história não inibiram agentes políticos de prontamente fugirem de responsabilidades, mutuamente se acusarem e buscarem proveito eleitoral, como se décadas de descaso pudessem ser atribuídas a um só gestor ou partido político.

Retomando a importância do planejamento estatal, convém anotar que por natureza o orçamento público é um complexo processo de identificação e escolha de prioridades. A realidade da finitude de recursos públicos e da escolha de prioridades impõe a necessidade de diálogo entre os poderes da República e também entre estes e a sociedade. As escolhas devem ser feitas e há um preço a ser pago para cada uma delas, notadamente diante de necessidades sociais crescentes e recursos limitados. Uma regra tão óbvia, mas ignorada, impõe o dever de cuidar da manutenção dos equipamentos públicos antes de iniciar novos projetos.

Isso é culpa do controle?

De minha parte, entendo que ser contra a corrupção não implica ser favorável a abusos de autoridade. Criticar somente o controle da Administração, por cegueira ideológica, é manifestar compromisso somente com seus próprios anseios ou de seu grupo, não da sociedade. Tolerância e respeito, bases de qualquer sociedade realmente civilizada, não podem compactuar com radicalizações, extremismos em tonalidades variadas. Respeito e empatia jurídicos se materializam em Diálogos institucionais, nos limites das competências e dos fins constitucionais, são necessários para que possamos realmente promover o bem de todos.

Que saibamos separar as emoções, como MEDO, IRA e AMOR, do DEVER e CULPA enquanto institutos jurídicos. Que saibamos lidar com a própria raiva, com nossos próprios sentimentos, com a insegurança e com as aversões que vão se acumulando, sem obscurecer nossa essência voltada à gentileza, respeito e tolerância. Essas emoções certamente marcarão nossas opções e reações reflexas da política partidária, mas não nos esqueçamos de que estamos em um evento jurídico, plural, de todos. Nosso evento é custeado também com recursos públicos, e por essa razão peço que evitem referências específicas a candidatos, partidos ou coligações que possam ser interpretadas  como manifestação de preferência ou desapreço a qualquer deles com a utilização de recursos que pertencem à coletividade.

Essas, senhores Congressistas, são algumas ideias – quiçá fruto de simples desabafo – que apenas objetivam iniciar o nosso grande encontro!. Encontros com essas características possuem maiores dificuldades de realização, razão pela qual agradeço sinceramente:

-IDASC Salomão, joel rodrigo Marcelo

-patrocinadores, órgãos e entidades,

– professores, Carla Amado

Presidentes de institutos estaduais IMDA, IDAG, IPDA Edgar

– diretoria;

Convoco todos à mais ampla participação possível, sobretudo por meio do nosso aplicativo, trazendo a vivência pessoal e profissional de cada um para enriquecer a experiência de todos.  Peço que prestigiem também as apresentações de trabalhos e os lançamentos de livros, realizações simultâneas ao nosso congresso.

A realização de encontros abertos, pautados pela plena liberdade acadêmica, pluralidade ideológica e busca de soluções para os desafios que enfrentamos de forma igual, ainda que com propostas de soluções diferentes, está na gênese do IBDA. Tenho certeza de que teremos grandes momentos de engrandecimento pessoal e acadêmico, pautados pela inteligência e sensibilidade de nossos professores e do nosso público. Que possamos estabelecer diálogos saudáveis, sensatos e focados no que temos e buscamos em comum, com tolerância aos sentimentos e pensamentos de cada um.


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